CUIABÁ

ROSANA LEITE

Dia da Mulher Advogada

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O dia 15 de dezembro tem significado particular para a advocacia, quando é comemorado o Dia da Mulher Advogada. A profissão é serviço essencial para a administração da justiça. Todavia, sempre foi enxergada como masculinizada.

O limite para as mulheres, taxadas de ‘boazinhas’ e ‘cuidadoras’ da família, sempre foi o lar. Lembro-me de quando criança ouvir que mulheres que trabalhavam fora de casa corriam o risco de não conseguirem ‘administrar o lar’, ou, ainda, ‘garantir vida saudável para filhos e filhas’. Havia, até pouco tempo atrás, certo ‘pacto’ de que mulheres deveriam se restringir ao ambiente doméstico. Algumas profissões até podiam ser exercidas por elas por serem ‘mais tranquilas’. O que se faz necessário ‘queimar pestana’, deveria ficar adstrita aos homens. E assim o era a advocacia.

Os bancos das faculdades de direito traziam o ‘tabu’, pois bastante frequentadas por homens.  Myrtes Gomes de Campos, em 1898, foi a primeira mulher a se formar em direito no Brasil. É de se ressaltar, a título de conhecimento para ilustrar fatos, que a primeira turma de direito se formou no país no ano de 1823. Apesar de Myrtes ter se formado naquele ano, apenas 08 anos após a formatura conseguiu o certificado para exercer a profissão, e sem exame de ordem, que não existia naquela época. É dela: “Tudo nos faltará: talento, eloquência, e até erudição, mas nunca o sentimento de justiça; por isso, é de esperar que a intervenção da mulher no foro seja benéfica e moralizadora, em vez de prejudicial como pensam os portadores de antigos preconceitos.”

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Esperança Garcia, mulher negra e escravizada, foi considerada precursora da advocacia no Piauí, porquanto, em 06 de setembro de 1770 enviou uma petição a Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, presidente da província à época, onde denunciou maus-tratos e abusos físicos contra ela e seu filho, pelo feitor da fazenda onde trabalhava. Esperança também tem grande significado para a origem literatura afro-brasileira, com a mencionada carta.

As advogadas no mundo jurídico fazem muita diferença e já ocupam a maior parte das vagas no estudo e pesquisa. Entretanto, são julgadas pela aparência, roupas, acessórios e forma que se portam. Conhecimento para quê? Porque ousa, mulher, se imiscuir em ambiente para ti proibido? Como é atrevida, veja só, fala de igual para igual com os homens? E o que querem elas?

Lembro-me dos meus tempos de estudo, quando ouvi de muitas pessoas que prestasse concurso para determinadas áreas, muito mais adequada para mulheres no direito. Myrtes, com a sua importante carteira da OAB certa vez ‘indignou’ a sociedade ao defender um homem que havia agredido outro a facadas. A imagem com a beca no júri trouxe significações e simbolismos reconhecidos até apresente data.

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O machismo é muito ‘velado’ e cuidadosamente ‘escondido’ nos recônditos jurídicos na forma de tratamento da mulher advogada, e com estereótipos de ‘emotivas’ ou ‘agressivas’. A pressão para que erros delas não aconteçam trazem a opressão real. Às vezes, em atos solenes como audiências, os olhares de reprovação na fala da mulher são visíveis.  Homens são líderes, e mulheres mandonas?

Por aqui, em terras mato-grossenses, há que se ressaltar a advogada Gisela Cardoso, recém-eleita presidenta da OAB/MT. Com pouco mais de 20 anos de carreira, já faz parte da diretoria da Seccional há mais de 6 anos. De voz forte, concentrada, estudiosa, organizada, e com carisma espetacular, conquistou local sempre ocupado por eles. Com o lapso temporal de 25 anos, após a primeira mulher assumir tão importante posto, a desembargadora Maria Helena Póvoas, a igualdade de gênero pode ser vislumbrada, e, já estava no tempo. Parabéns, Gisela querida, mulher advogada, você é orgulho para as mulheres!

Que as instituições e poderes, que tanto dependem delas, não esperem um quarto de século para as alçarem ao comando…

 

Rosana Leite Antunes de Barros é defensora pública estadual.

 

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OPINIÃO

Estamos normalizando a violência contra a mulher

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De acordo com levantamento realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2023, Mato Grosso apresentou a maior taxa de feminicídio do Brasil: 2,5 mortes para cada grupo de 100 mil mulheres. Em números absolutos, foram 46 feminicídios no ano passado. A taxa é quase o dobro do índice nacional, que alcançou 1,4 morte.

Porque começar um artigo com dados e correr o risco de tornar o texto maçante? Eu digo! Porque está impossível conviver com tantas mortes de mulheres como as que vêm ocorrendo. Especialmente em Mato Grosso.

São tantos feminicídios que ficou impossível noticiar o crime com exatidão, como se aquele fosse o último ocorrido. Como é o caso, por exemplo, de Rosângela Oliveira da Silva, de 49 anos, assassinada em Juscimeira pelo namorado sob o velho argumento que liga, comumente, ciúmes ao derramamento de sangue. Dentro daquela pseudo narrativa do amor exagerado. Não é! Quem ama não mata!

Mas devo confessar que me chocou profundamente, dentre tantos feminicídios que vêm acontecendo em Mato Grosso, a de uma senhora de 84 anos. Dona Horaide Bueno Strighini, que foi roubada, estuprada e assassinada por um homem com inúmeras passagens policiais. Se estivesse preso, filhos, netos e bisnetos de dona Horaide não estariam chorando a perda da matriarca. Nem tampouco indignados com o depoimento do feminicida, que confessou que esta mulher de 84 anos lutou, corajosamente, até a morte contra seu assassino.

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O feminicídio de dona Horaide me deu a profunda sensação de impotência enquanto mulher e mãe. Sobretudo, uma sensação horrorosa de que estaria cristalizando uma certa normalização destas mortes, desvelando a mais absoluta banalização da violência.

Outro dia meu filho Benício fez 10 anos. Meu único filho. Meu tudo. Literalmente, minha vida. E fiquei pensando: meu Deus se algo me acontecer o que será de meu menino?.

Depois pensei, inclusive enquanto empresária na área de comunicação, o que estaria passando desapercebido para nós, que trabalhamos com informações? O que até agora não fizemos ou não noticiamos? O que deveríamos fazer, ou melhor, estamos fazendo, de fato, que ajude a reduzir estes índices? Estamos cobrando o suficiente dos poderes mais políticas públicas, sobretudo, aquelas que sejam capazes de retirar Mato Grosso da liderança de um ranking tão macabro?

Quantas perguntas sem uma só resposta razoável, não é verdade?!

Claro, tenho acompanhado com bastante interesse algumas iniciativas extremamente importantes, aliás, oportunas, como é o Pacote Antifeminicídio proposto pela senadora mato-grossense Margareth Buzetti, que já foi, graças a Deus, aprovado no Senado e agora tramita na Câmara Federal.

Acompanhei, igualmente, a reunião realizada esta semana no Legislativo Estadual, a pedido do presidente da Casa, Eduardo Botelho, e de sua vice, a deputada Janaina Riva – com a senadora Margareth Buzetti e a deputada federal Gisela Simona -, na busca de ampliar a discussão deste pacote e criar uma comitiva mato-grossense para reforçar em Brasília sua aprovação na Câmara dos Deputados.

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A proposta quer alterar cinco leis atualmente em vigor, entre as mudanças está o aumento da pena mínima para o crime de feminicídio, de 12 para 20 anos. E a máxima de 30 para 40 anos de prisão.

Para mim, que sou a favor da prisão perpétua, 40 anos apenas atenua um pouco a minha revolta. Porque não me compadeço de criminosos que ceifam a vida de mulheres na crença de que são sua propriedade e território. Não me compadeço de feminicidas, agressores e estupradores, que têm naturalizado as diferentes formas de violência contra meninas e mulheres. E, definitivamente, não me apiedo destes homens que se apresentam em pele de ovelha e que nos exterminam como lobos ferozes.

Assim, obviamente, como mãe, mulher e empresária, vou torcer para que propostas como da nossa senadora sejam sancionadas o mais rápido possível pela Presidência da República. E que, sobretudo, o Estado faça seu dever de casa e cumpra seu papel central de induzir e promover políticas públicas que contribuam para salvaguardar e proteger vidas.

Mais do que isto, que o Estado crie novas delegacias, amplie os espaços de acolhimento para as mulheres em situação de violência. E, sobretudo, promova a autonomia e independência financeira destas mulheres, que permanecem neste ciclo perverso dos relacionamentos abusivos que se pautam nas agressões e mortes.

Lucy Macedo é empresária, advogada e mãe.

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