Todos reconhecem a gravidade do problema da segurança pública em nosso país. Há, porém, profundas divergências nos diagnósticos e nas propostas para enfrentar as suas causas. Soluções simplistas costumam ser bastante populares e completamente ineficazes. Ao contrário, conduzem ao aumento da violência.
Vocês as conhecem: são repetidas várias vezes ao dia, há décadas, nas rádios, tvs e redes sociais. Armar a população, instituir a pena de morte, clamar pela intervenção das Forças Armadas, combater o “discurso dos direitos humanos” etc. Em síntese, o que se pretende é multiplicar a violência estatal na esperança de vencer uma “guerra” contra os criminosos.
Como observador do tema, e às vezes vítima de delitos diversos, concluo que a repressão não é suficiente e tampouco é a estratégia mais importante para melhorar a segurança. Sou adepto de investimentos maciços na inteligência policial e de medidas preventivas que asfixiem os três principais fluxos que alimentam a atividade criminosa: finanças, armamento e drogas.
Nas últimas décadas, o Brasil testou quase tudo em termos de repressão violenta ao crime, com resultados pífios e até negativos, ao ponto de facções criminosas e milícias controlarem territórios em todas as unidades da federação, nos quais estabelecem uma jurisdição própria, com códigos de conduta, tribunais, arrecadação de tributos e diversas outras regras características típicas do estado, até mesmo previdenciárias, pagando pensões para dependentes de comparsas mortos.
Nunca me esqueço da cena patética em 2017 de um tanque de guerra com o canhão apontado para uma das favelas mais populosas do Brasil. Imagem simbólica que coloca o povo pobre como inimigo e alvo. Exibição de um poder bélico inútil porque, em sã consciência, jamais seria disparado e, se o fosse, provocaria centenas, senão milhares, de vítimas inocentes, a exemplo do massacre de palestinos em Gaza.
Na realidade, foi uma expressão de fraqueza. Quem apontou um canhão para uma favela dizendo combater o tráfico de drogas ou facções criminosas não demonstrou força. Revelou, no mínimo, que não tinha noção da realidade e não sabia o que fazer. Desperdiçou recursos públicos, colocou em risco a integridade de soldados e expôs os militares ao vexame de não alcançarem resultados efetivos e duradouros. Pouco depois daquela operação, a criminalidade retomou suas lucrativas atividades nos mesmos locais, onde está até hoje.
Além disso, a cultura do enfrentamento violento ao crime produziu inúmeros tipos de distorções, massacres e chacinas, como no Carandiru-SP (1992) ou Jacarezinho-RJ (2021). Há poucos países do mundo em que as polícias matam tantas pessoas como no Brasil, em grande parte indivíduos sem quaisquer antecedentes e até crianças, vítimas de “balas perdidas”. Na sua imensa maioria, negros e pardos. Não é coincidência; é consequência.
Precisamos de menos candidatos a Rambos e mais Nerds atuando na segurança pública.
O armamento pesado em poder dos criminosos não é fabricado por eles. É alimentado por rotas logísticas que precisam ser mapeadas e neutralizadas, assim como as do abastecimento de cocaína e drogas sintéticas. Da mesma forma, os ativos financeiros devem ser identificados, congelados e confiscados. Os processos de “lavagem” no volume bilionário dessas transações deixam rastros que conduzem ao centro vital dessas quadrilhas. É por aí que deve se concentrar o trabalho das forças de segurança. Investir na inteligência, não na violência.
Luiz Henrique Lima é professor e conselheiro independente certificado.